Olá Pessoal
Segue abaixo um resumo da Ultramaratona de Los Andes corrida no último sábado dia 15 de outubro. Um prova muito especial para mim.
Cheguei a Santiago no dia 13 de outubro, peguei o kit da prova e passei os dias seguintes descansando...
No sábado acordei às 2h da manhã, me preparei e fui para o local da prova. A noite estava linda com uma lua maravilhosa e o céu estrelado. Cheguei ao local da prova, nas proximidades do Cerro Manquehue e procurei um local isolado para fazer a minha concentração final.
Neste momento fiquei pensando em tudo que tinha feito para chegar até ali. Todos os treinos passam pela cabeça, momentos de dificuldades, dores, sofrimentos, alegrias, tudo se mistura e aquele momento passa a ser mais que especial.
Momentos antes da largada comecei a imaginar como seria a prova... Ainda tinha certas dúvidas sobre o que fazer. Em geral costumo largar com calma e deixar que as coisas aconteçam de forma natural e assim vou seguindo e o resultado passa a ser uma conseqüência disto. Dessa vez era diferente. Tinha treinado muito mais e estava me sentindo bem e queria um pouco mais. Sabia dos riscos que iria correr caso optasse por sair com o pelotão da frente.
A grande diferença neste caso é que o pelotão vai ditando o ritmo e quem quiser que acompanhe e conhecia alguns atletas que ali estavam e que respeito muito pela história que já construíram nas corridas de montanha.
Era um momento difícil para mim, mas me lembrei de uma coisa muito importante e que carrego comigo em tudo que faço na vida. Não existe nada impossível, não existem limites. Tudo está em nossas cabeças. Nossos medos, nossas angústias, nossas frustrações. Tudo é produto da nossa cabeça. E nas corridas de montanha adoto outra palavra que se chama ATITUDE. Naquele momento a adrenalina começou a subir e decidi que iria arriscar tudo, mas em hipótese nenhuma “largaria o osso”!!!
As 4h da manhã em ponto foi dada a largada. Sai bastante forte junto com os primeiros atletas. Os primeiros quilômetros eram planos antes de iniciar a primeira subida. Neste momento o importante era me manter no pelotão da frente e abrir em relação aos demais. Depois de dois quilômetros começaram as primeiras subidas e tratamos de seguir correndo e fazendo força. Neste momento o grupo se quebrou e partimos definitivamente para a disputa da prova.
Gustavo Reyes (atleta Salomon de nível extraordinário e de uma simplicidade ímpar) começou a abrir mantendo o seu favoritismo. Em segundo estava eu e Martin Marato (um argentino muito legal que conheci neste momento). Logo atrás estava vindo alguns outros atletas que poderiam se juntar a nós em pouco tempo. Seguimos correndo morro acima e com mais alguns quilômetros já era possível avistar a bela cidade de Santiago ao longe. As subidas começavam a ficar cada vez mais duras, mas seguíamos em bom ritmo buscando abrir o máximo possível.
Depois de mais alguns quilômetros percorridos juntou-se a nós um grande atleta da The North Face (Rodrigo Canuto). Estava formado o trio que seguiria por vários quilômetros juntos.
Na madrugada anterior a prova havia chovido muito e o terreno estava com muito barro o que dificultava muito o deslocamento e aumentava os riscos de quedas. Pedras soltas, mato alto e certa dificuldade para seguir as marcações do terreno. Porém, nos ajudávamos o tempo todo e fazíamos um belo trabalho de equipe.
Passamos bem pelo primeiro posto de hidratação. Procurei comer alguma coisa rápida e seguir em frente. Fazíamos muita força e nas descidas nos soltávamos como loucos por aquela escuridão tendo como companhia uma bela lua. Estava frio, mas o ritmo era tão intenso que nem dava para perceber.
Depois de aproximadamente vinte e cinco quilômetros percorridos se juntou ao grupo John Tidd (atleta uruguaio bastante conhecido nas corridas de montanha e TOP20 este ano na Ultra Trail Du Mont Blanc) que trouxe com ele outro atleta que resolveu não ficar no pelotão e atacar. Neste momento ninguém quis fazer força para acompanhá-lo.
O dia começava a clarear e seguíamos em quatro pessoas tentando correr todos juntos e fazendo força. O ritmo não diminuía desde o início da prova e neste momento minhas pernas começaram a sentir o peso de andar em um grupo seleto como esse.
No plano e nas descidas eu conseguia acompanhar o grupo, mas nas subidas já começava a andar e pouco a pouco comecei a perder contato com os três (John, Martin e Canuto). Estava neste momento em sexto lugar. O sol começava a surgir ao fundo da bela Cordilheira do Andes. O céu estava limpo e era esperado um dia com muito calor.
Comecei a pensar no que poderia estar acontecendo e qual a melhor decisão a tomar. Tínhamos acabado de passar pelo quilômetro trinta e ainda teria muitas subidas pela frente. Começou a passar um filme na minha cabeça, pois as pernas não respondiam e isso em provas longas pode ser o fim. Sabia que tinha largado em um ritmo acima do que costumo praticar em provas deste tipo e estava certo de que se perdesse o pelotão mais alguns metros além de não recuperar mais poderia ser o meu fim. Em provas de resistência é preciso muito mais que força física para resistir aos momentos ruins. Pensei em desistir por alguns instantes. Mas algo me guiava e me mantinha vivo.
Naquele momento tenho que admitir que pensei em abandonar a prova mas ao mesmo tempo me lembrei que provas longas são assim mesmo. Existem momentos que te levam ao chão para testar seus verdadeiros limites.
Respirei fundo e tratei de seguir em frente. Com mais alguns quilômetros cheguei a mais um posto de hidratação. Neste momento Martin e John já estavam saindo e fizeram um grande ataque morro abaixo. Começaram a imprimir um ritmo muito forte. Canuto também não quis arriscar seguir com eles e de certa forma isso foi muito bom, pois agora estávamos juntos para seguirmos em frente.
Começava uma nova prova para mim... Partimos juntos morro abaixo nos ajudando na orientação do percurso e dos obstáculos. Enfrentamos uma descida muito dura e bastante técnica, mas estávamos bem. Depois de aproximadamente dez quilômetros avistamos Martin caminhando em uma pequena subida. Percebi naquele momento que ele não estava bem como aparentava momentos antes. Não foi preciso falar nada, apenas olhei para Canuto e passamos por ele sem muitas dificuldades.
A partir do km 42 iniciava uma temida subida e seguimos morro acima em uma longa e dura caminhada. A inclinação era grande e o terreno muito técnico. Aproveitei o momento para retirar e guardar a lanterna de cabeça, retirar os óculos de sol da mochila, hidratar e me alimentar.
Depois de alguns quilômetros comecei a perceber que Canuto estava ficando um pouco para trás. Estávamos juntos há muito tempo, mas neste momento era a sua vez de passar por dificuldades. Tentei animá-lo para seguir em frente fazendo força. Aos poucos ficava para trás. Ao chegar ao final da subida havia um posto de controle. Parei rapidamente para reabastecer minhas garrafas, comer algumas frutas secas e seguir em frente. Minhas pernas estavam doendo um pouco, mas já me sentia bem melhor e sabendo que neste momento estava na quarta posição a cabeça e o corpo reagiam de outra maneira.
Já passava dos km 50 e aproveitei uma pequena subida para retirar da mochila meu Ipod. Não gosto de correr ouvindo músicas, mas neste momento era preciso distrair a cabeça e o corpo. Sabia que mesmo estando naquela posição não podia aliviar em nenhum momento, pois alguém poderia surgir a qualquer momento e me surpreender. Não era possível ver nenhum adversário a frente e nem atrás, mas tinha que me manter motivado e controlando as dores, principalmente nas bandas e na coxa.
Iniciei uma longa descida muito íngreme e técnica. Era uma trilha com muitas pedras soltas e curvas fechadas ao longo de verdadeiros precipícios. Alguns trechos uma queda poderia ser fatal. Tratei de manter a concentração e atenção total em cada passada. À medida que descia a dor na perna aumentava e a preocupação começou a voltar. Estava com medo de não resistir àquela dor até o final da prova mantendo aquele ritmo alucinante. Acabava de passar pelo km 55 e ainda tinha muitas horas pela frente. Comecei a olhar para trás para ver se mais algum atleta se aproximava. Corria neste momento contornando um belo vale onde era possível ver o percurso a frente. Não consegui ver nenhum atleta e pensei em começar a administrar aquela posição para chegar até o fim da prova. A cabeça não estava boa. Não conseguia controlar as dores.
Segui um pouco mais tentando controlar o ritmo e ao observar o percurso percebi que o atleta que nos passou no início da prova estava indo à frente a uma distância aproximada de 2 km. É impressionante o poder da mente. Naquele momento tudo mudou. A vontade de seguir forte voltou. Comecei então a planejar como seria aquela aproximação. Tratei de me hidratar, alimentar e comecei a fazer força de novo tentando me aproximar. O atleta percebeu a minha aproximação e tentou também manter a distância, mas eu estava focado e naquele momento era a hora do jogo mental. Mesmo com tantas dores queria agora aquela posição. Afinal de contas era a chance de conquistar meu primeiro pódio em uma competição com atletas de altíssimo nível.
Ao me aproximar procurei aumentar o ritmo ainda mais e fazer um único ataque aproveitando a descida. O atleta me acompanhou um pouco, mas logo em seguida desistiu. Tratei de manter o ritmo o máximo que podia para abrir vantagem e conquistar definitivamente aquela posição. No final da descida cheguei a mais um posto de controle. Fiz tudo muito rápido e segui em frente tratando de manter a cabeça boa, com pensamentos positivos embora já estava a quase sete horas correndo no limite e isso gera um desgaste mental muito grande.
Ainda faltavam aproximadamente 20 km para a chegada e não podia pensar em colocação, dores, nada. Apenas seguir em frente rumo ao meu grande objetivo que é cruzar a linha de chegada.
Depois de mais alguns quilômetros entramos no Cerro San Cristóban para o trecho final da prova. Procurava olhar para trás para ver se alguém estava vindo. Estava mais preocupado neste momento e suportar as dores e manter a minha posição que seguir fazendo força rumo ao desconhecido. Seguia a minha frente os atletas Gustavo Reyes em primeiro e John Tidd em segundo.
Foi o final de prova mais difícil que já fiz. Em geral nos finais de prova meu corpo está sempre cansado, mas consigo manter a mente em bom estado e seguindo em frente. Mas não tinha condições de suportar nem a dor física e muito menos a cabeça de depois de 8h não queria seguir. A música também não me ajudava, mas alguém neste momento me guiava. Eu podia escutar: Não pare, siga em frente!!!
O Cerro San Cristóban parecia interminável e para completar a mina angustia o GPS já marcava 80 km e fui informado que ainda faltava mais 5 km até a tão sonhada linha de chegada. É normal essas diferenças de distância e para quem já tinha percorrido aquilo tudo não seriam cinco quilômetros que acabariam comigo.
Já ouvia de longe o narrador anunciando os atletas que estavam chegando nas outras distâncias e a adrenalina começava a subir cada vez mais. Ainda não acreditava que estava na terceira colocação. Parecia um sonho e não queria acreditar até cruzar a linha de chegada.
Fui me aproximando e as pessoas já começavam a aplaudir e o pórtico agora estava a apenas um quilômetro de distância. Minha cabeça agora estava leve e as dores no corpo já não existiam mais diante de tamanha emoção. Cheguei no local de largada e fui recepcionado pelas pessoas que lá estavam. Entrei no local do pórtico e a emoção veio a tona. Uma mistura de felicidade, alegria, emoção tudo junto.
Depois de 9h 46min e 15s cruzava a linha de chegada em terceiro lugar geral. Um sonho alcançado!!!
Busquei neste momento um local isolado... Queria muito ficar um pouco sozinho... Um momento para lembrar de tudo que tinha acontecido na minha vida nos últimos meses onde me empenhei em treinar duro e me dediquei a cada treino pelas madrugadas frias como se fosse o último. Foi uma temporada muito especial onde pude subir bem os volumes de treinamento e consegui treinar sem nenhuma lesão.
Mais do que tudo isso tive a companhia e apoio incondicional das pessoas que estão sempre próximas a mim trocando informações, fazendo com que meus treinos longos se tornassem verdadeiros passeios.
Gostaria de agradecer a todos os meus amigos que estão sempre comigo. Essa conquista é de vocês também que me inspiraram a seguir em frente!!!
A mensagem final que eu deixo de tudo isso é:
Devemos sempre perseguir os nossos sonhos em busca daquilo que o coração diz e nunca aceitar a racionalidade que nossas cabeças.
Um forte abraço a todos e muito obrigado!!!
Grande Léo!
ResponderExcluirPrimeiramente, parabéns pelo fantástico pódio! Realmente foi incrível!
Me impressiono com sua força mental! Sem dúvidas é um enorme diferencial.
Tenha certeza que você é uma grande fonte de inspiração para mim e para qualquer pessoa que queira correr pelas montanhas.
Sucesso sempre!
Abraço,
Sérgio Machado Jr.
Muito legal Léo! Parabéns pela conquista! Quero ser como vc quando eu crescer!
ResponderExcluirseu relato me emocionou!!!
ResponderExcluirah parabéns, cabrón, sos fueda!!
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ResponderExcluirParabéns camarada, uma narrativa muito bonita e carregada de emoção, que uma prova como esta provoca. Espero um dia poder vivenciar esse tipo de emoção. Quanto a sua classificação, vc fez por merecer.
ResponderExcluirRelato tão foda e belo quanto a prova! Parabéns piazito. belo exemplo de persistência e comprovação de que quem busca, alcança.
ResponderExcluirBons vôos, amigo!
Super abraço e parabéns pela conquista.
Que é isso, leo?? Só vi agora... =)
ResponderExcluirFalamos um monte sobre a prova, as conquistas e os ganhos (uma coisa diferente da outra, não?).
Reproduzido: "La libertad y la simple belleza son demasiado buenas para dejarlas pasar."
Força sempre e parabéns de novo.
J.
Simplesmente fantástico meu caro Leo, companheiro de revezamento 24h! Não existem palavras pra descrever tal feito! VC brilhou e alcançou o seu tão desejado sonho!
ResponderExcluirQue assim continue meu caro, e que o Universo ainda lhe dê de presente muitas outras oportunidades como esta em sua vida! #run4life brother! \0/
To sentindo falta de seus relatos....
ResponderExcluirsaudades de vc!Saudades de San Martin.
bjos grandes
ci